A Cultura do Diploma

Estou de volta ao blog, mas dessa vez, não para publicar novidades sobre meus projetos. Estou usando este espaço agora apenas para divulgar ideias e pensamentos que eu gostaria de tornar públicos, começando por um assunto que me incomoda desde a época que eu frequentava o supletivo.

Quem acompanha minha história aqui no blog, provavelmente se lembra que tive que "parar de estudar" várias vezes devido a problemas socioeconômicos, e mesmo assim, com muito custo ainda consegui cursar um pouco da faculdade de Licenciatura em Matemática e o curso Técnico em Administração. Mesmo fora desses cursos, ainda continuei aprofundando nesses conhecimentos por conta própria e em vários outros que são do meu interesse.

Apesar de ser eternamente grato a todos os professores que já tive e que me auxiliaram pela jornada do saber, não posso deixar de dizer que a maioria dos conhecimentos que adquiri foram por conta própria, através de estudo sistemático e constante. Sei muito sobre minha área de atuação (desenvolvimento de jogos) e também sobre várias outras áreas como matemática, física, administração, psicologia e até mesmo em neurociências. No entanto, hoje perante a sociedade, não sou nada. Por quê? Por que não tenho "estudo". Sentiu a contradição? Sendo que o que eu realmente não tenho é diploma. Pois estudo, como disse anteriormente, tenho de sobra.

O simples fato de associar o fato de "ter estudo" com "ter diploma" já é um erro terrível. É tanto que hoje, quando as pessoas vão para alguma instituição de ensino, elas não perseguem o conhecimento, mas sim o diploma e o status social que ele representa. E a pior parte, nessa corrida pelo diploma vale de tudo, desde o favoritismo, até burlar as notas dos exames de alguma forma (o que também é corrupção).

Hoje, não só no Brasil, o próprio sistema de ensino é totalmente falho. O que nós temos, desde a educação básica até o ensino superior, é uma sala de aula com 40 alunos ou mais, sendo obrigados a seguir o mesmo ritmo de aprendizado, e apenas um professor, totalmente sobrecarregado de trabalho, pra dar conta desses alunos e mais outras dezenas em outras salas. E não, não adianta dar cotas ou bolsas integrais sendo que muitos desses alunos não possuem condições socioeconômicas de frequentarem as aulas. No final, só os abastados conseguem se formar, seja no ensino público ou privado.

Essa cultura do diploma está tão enraizada na sociedade, que quando eu, que não tenho diploma, tento discorrer sobre algum assunto que tenho pleno entendimento, sou totalmente desacreditado por "profissionais diplomados" que, muitas vezes, desconhecem total ou parcialmente aquele assunto no qual são supostamente versados.

Eu entendo que existem muitos profissionais competentes e dedicados por aí, e não estou querendo desmerecer de forma alguma aqueles que conseguiram se graduar formalmente, pelo contrário, o que eu quero exatamente é propor uma reflexão sobre esse assunto.

Eu gostaria de pedir a você leitor, indiferente da sua profissão ou grau de escolaridade, que se lembrasse da quantidade de horas que você passou estudando em uma sala de aula, agora se lembre da quantidade de vezes que conseguiu tirar suas dúvidas diretamente com algum professor, por último, se lembre de quantas horas você estudou só, em casa, através de livros, apostilas ou anotações do próprio caderno. Pese na balança essas três coisas. De qual forma você gastou mais tempo estudando? De qual forma você aprendeu mais? E hoje, o que faz de você um profissional competente e dedicado na sua área? Seu estudo constante ou seu diploma? E se jogarem seu diploma no lixo? Todo o seu conhecimento profissional vai junto?

Se jogarem este canudo de papel no lixo, todo o seu conhecimento adquirido vai junto? Vai magicamente esquecer de tudo o que aprendeu?

Duas experiências que fizeram muita diferença em minha vida foram: ter cursado o ensino médio no supletivo e ter estudado psicologia da educação. Quando fiz supletivo, eu estudava na maioria das vezes por conta própria em casa, fazendo uma matéria por vez separadamente e seguindo meu ritmo. Eu ia a escola apenas para tirar dúvidas com algum professor ou fazer as provas. Resultado? As matérias que eu ia bem, eu avançava mais rápido, nas que eu tinha dificuldade, não precisava me preocupar em "bater a meta" (eventualmente terminando-as do mesmo jeito) e nas que já dominava, simplesmente terminava rapidamente, como foi o caso do inglês, que passei em todas as provas em apenas dois dias seguidos. Nessa época eu já tinha percebido como o sistema de ensino tradicional era falho, e quando estudei em Psicologia da Educação que cada pessoa tem um ritmo de aprendizado diferente, que pode inclusive variar para cada matéria, eu só confirmei na teoria o que já tinha descoberto na prática.

Quantas pessoas plenamente capazes de exercer suas funções, mas que não puderam "ter estudo", estamos desperdiçando por aí, e só por causa desses empecilhos que essa cultura do diploma, aliada a um sistema de ensino retrógrado, cria?

Quando começaram a falar em estudo a distância por causa da pandemia, sinceramente fiquei empolgado. Eu vi nisso a oportunidade das autoridades finalmente enxergarem o mesmo que eu enxergo claramente hoje. Se mudarem totalmente o sistema de ensino para algo parecido com o que já acontece nos vários CESECs espalhados no país, e fizerem isso inclusive para o Ensino Superior, aí sim teremos um sistema que de fato valoriza a busca pelo conhecimento e a meritocracia de cada aluno de verdade.

O diploma surgiu apenas como uma forma burocrática de atestar que um indivíduo concluiu determinado curso, e deveria voltar a ser apenas isso. Seria muito mais lógico, portanto, exigirem um teste de capacitação para se tirar um certificado, do que ter frequentado esta ou aquela instituição de ensino, que deveriam também voltar a ser apenas templos puros do saber, disponíveis a todos que queiram procurá-lo.

Do mesmo modo que aquele jogo de dominó, onde uma peça cai derrubando a próxima, pode ser usado como analogia aos problemas, ele também pode ser usado como analogia as soluções. Mudar o sistema de ensino no país, não só contorna o problema da pandemia, como também pode afetar positivamente a economia. Se for permitido aos vários professores capacitados no país atualmente desempregados a atuarem de maneira independente, isso não só vai gerar renda a essa força de trabalho, que também é público consumidor, indiretamente gerando renda aos outro setores da economia, como também vai desafogar a demanda (que é alta) pelas instituições públicas de ensino (que não precisam deixar de existir), equilibrando assim com a oferta (também alta) de mercado, fazendo com que os preços se estabilizem e se tornem eventualmente acessíveis à todos, ficando o sistema de Ensino Público apenas ao encargo de atender aqueles que realmente precisam e de fornecer os ditos exames de capacitação profissional. Basta ter boa vontade que dá pra fazer.

Se você ainda está preso a esse conceito de "cultura do diploma", mesmo depois de ter lido este texto, peço por gentileza que volte até o começo e leia tudo de novo. Sempre que você se depara com um conhecimento novo, você precisa assimilá-lo primeiro até acomodar totalmente esse conteúdo. Esse é um conceito "recente" de educação proposto por Jean Piaget, mas que já vinha sendo falado com outras palavras desde a Grécia Antiga, como no Diálogo da Caverna de Platão. Em nível neurológico, as sinapses relativas a esse conhecimento precisam ser criadas e consolidadas mediante exposição constante do mesmo conteúdo.

Se você já compreendeu totalmente o que foi dito aqui, é como educador não-diplomado, com a autoridade que infelizmente nunca me foi concedida pelo Estado, que eu digo: "Somente quando as pessoas valorizarem mais a busca pelo conhecimento do que a busca pelo diploma, a humanidade conseguirá continuar evoluindo."